segunda-feira, 26 de março de 2012

Muito além do Professor Raimundo

Aos que estão acostumados a ver Chico Anysio alinhado a um tipo de humor que hoje é considerado pernóstico pela "elite pseudointelectualizada", o dos tipos, é bom que saibam que ele é muito mais do que isso.

Aliás, os mais de duzentos personagens criados pelo humorista cearense são apenas a ponta do iceberg da criatividade de um artista multifacetado. Alguém que não foi apenas feito para a TV, ou para o rádio, como inicialmente.

Chico era um escritor de contos no mínimo fantástico.

E eu leio Chico há um tempo considerável para saber do que estou falando.

Ele não era um escritor de humor. Chico não focava nesta direção. Ao contrário, como autor de contos ele queria nos fazer pensar na realidade do Rio de Janeiro, e, por consequência, do Brasil como um todo nos anos 60 e 70. Seus contos de "A Curva do Calombo", por exemplo, livro de 1974, são um achado neste sentido. 

Prostitutas, playboys, moças direitas e homossexuais enrustidos criam vida como se na mais rica história de Nelson Rodrigues, mas sem o moralismo do cronista d'A Vida Como Ela É.

Chico se deixa conduzir por dentro da hipocrisia dos ricos e da transparência dos pobres apresentando uma melancolia latente quando fala destes. Em outro de seus livros, "Feijoada no Copa", por exemplo, o conto que dá título à obra fala sobre isso. Dois ricaços enfadados da vida almoçam no Copacabana Palace. Reclamam da vida. Para eles não está fácil, entre seus talheres de prata e seus copos de cristal. No final, um deles joga o toco do cigarro Benson e Hedges na calçada. Um mendigo, molambo e maltrapilho pega o toco e sorri. "Que vida boa", agradece.


Chico faz o que faz sem julgar o rico ou o pobre. Sua escrita não é distante ou ausente, as histórias soam como que contadas na mesa do bar, reservando sempre uma surpreendente reviravolta final, como no conto "Tio Rogério", em que o pai sai de casa, deixando filho e esposa para trás, para começar a nova vida e, a partir deste momento, entra na vida do menino o "Tio Rogério" do título. O texto nos conduz a pensar uma coisa quando, na verdade, é outra que está acontecendo.
Com estas surpresas Chico nos desafia a repensar o cotidiano e o que as pessoas são capazes de fazer para tentar viver e ser felizes. Mais do que colocar uma maquiagem e simular uma voz, Chico conta histórias. Se são mentiras, Terta, eu não sei, mas que colocam para pensar, ah, isso colocam.

Em tempo: As ilustrações das capas dos livros de Chico que ilustram esta matéria são de Ziraldo que, muito além, do Menino Maluquinho, é criador de imagens geometricamente fortes e extremamente marcantes (além de ser um dos caras mais ciumentos que existem no mundo, segundo Zuenir Ventura).

quinta-feira, 1 de março de 2012

Someone like you? A lot, darling...

Adele e os seis filhotes, alimentados a muita dor de cotovelo
Meus parabéns à gordinha britânica Adele que faturou o Grammy deste ano e seis categorias. O prêmio é dado aos melhores artistas do ano, e quanto a isso não existe questionamento: Ela foi definitivamente a melhor do ano.

No entanto, a Adelefever que tem tomado os corações e mentes da juventude transviada que estava em busca de uma diva não me pega.

As letras que falam de amores perdidos e da tentativa de levantar-se e dar a volta por cima são um velho caminho trilhado por tantos artistas antes dela... Um velho caminho, sim, mas bem trilhado e agradável. Todos os grandes compositores já falaram da boa e velha dor de cotovelo. Ela nos faz crescer enquanto artistas e seres humanos. A dor, em geral, tem esta característica edificante.

Mas acredite, someone like her, tem diversas. Só de cabeça eu já penso em pelo menos três cantoras/compositoras/musicistas que estão no mesmo nível e até melhores que a jovem inglesa.

Posso começar com Norah Jones, que eu seu último trabalho, "Chasing Pirates", consegue transmitir uma emoção profunda e uma unidade criativa bastante edificante. Ando por fora do que Alicia Keys anda fazendo, mas ela é outro nome que posso dizer que sempre chamou a atenção, até porquê junta à aura standard um quê de R&B que é gostoso de ouvir e dançar. Sem contar Diane Birch, cujo timbre rouco e agudo e cujas letras poéticas e líricas fazem de "Bible Belt" um dos melhores discos da segunda década do século XXI.

Isso só para ficar nas cantoras/compositoras/musicistas que tocam piano e cantam com a rouquidão de uma alma quebrantada...

O problema não é a qualidade de Adele. Ela é ótima cantora, música com verve e paixão e compositora de dor de corno como poucas. O problema é que ela só consegue se destacar porque a música hoje está passando por um péssimo momento, quando falta qualidade, diversidade e identidade aos artistas.

Todos querem ser iguais a alguém que veio antes. Quantas Amys não estão surgindo aos quatro cantos? Quantos cantores de black music querem ser o novo Akon, ou coisa parecida? Se bem que Akon já deve ser o novo alguma outra coisa, que não sei...

A mesmice parou na música e ali ficou. Adele veio dar uma chacoalhadinha (de leve) nesta mesmice. No entanto, o risco de entornar o caldo é grande, já que uma das coisas que vai acontecer agora é o surgimento de várias Adelezinhas. E não é culpa dela, é um fato que as gravadoras vão querer fazer surgir novas cantoras com o mesmo perfil.

Será que as gravadoras terão coragem de lançar algo novo no mercado? Algo diferente? Difícil... Com as mudanças do mercado da música é mais fácil investir no igual, que você sabe que vai conseguir vender.

Mas ainda tem muita coisa boa surgindo no mundo alternativo. Basta uma vasculhada na Internet para você encontrar boas bandas. Até de muita coisa de dor de cotovelo, o assunto mais comum da música moderna. Vale a pena olhar em volta e sair da mesmice. Você vai encontrar alguém como ela, acredite. E até melhor, viu?