terça-feira, 29 de maio de 2012

Talento

Li uma crítica ontem sobre os textos de um escritor argentino. Gosto dos argentinos. São excelentes contistas. Desde Borges esta escola se dissemina entre nossos Hermanos.


No meio da crítica, uma frase interessante: "Com o livro nas mãos, eu fiz o que os escritores fazem quando se lembram de seus livros favoritos: olhei para o chão, senti uma dor terrível no peito que descia ao estômago e comecei a me deprimir e a me entregar ao abatimento porque o maldito Fogwill escreveu esses contos e não eu. Porca miséria."

Imagino que os arquitetos, os pintores, os atores, os autores de novelas, os compositores, todos os que lidam com a arte tenham este mesmo sentimento de inveja diante de uma obra prima. Aquilo que nos diminui, mas nos fortalece. Aquilo que confirma o talento do artista e conforma a falta de talento do arteiro.

O ofício de escritor é baseado no exercício prático de contar histórias. Como contadores de histórias, nossa meta é prender a atenção daquele que nos lê. Temos a pretensão de, assim, sermos o centro das atenções de um mundo que já não dá atenção a ninguém por mais de quinze segundos. Andy Warhol estava mais certo do que imaginava...

Escritores são anacrônicos. Somos mais que frases soltas no Facebook e muito mais que cento e quarenta toques no Twitter. No entanto, a simplificação de nossa excelência por meio da seleção de trechos curtos que podem caber no espaço de um suspiro e ser lidos no tempo de uma risada acaba por macular aquilo que temos de mais precioso.

Nosso talento.

Testemunhar a perfeição nos faz querer alcança-la por nós mesmos. Ler Borges, Stendhal, até o chato Hemingway, Proust, Lispector ou Melville, como estou fazendo, é nos diminuir e, ao mesmo tempo, nos fazer crescer. Vendo sua perfeição, elegância e eloquência, podemos nos inspirar.

A reprodução parcial destes textos, recortados e picotados para caberem no compartilhamento do Facebook não é aprazível para a própria arte. Alguns, que pensam que divulgam o trabalho do escritor fazendo isso, enganam-se. Não divulgam o trabalho do escritor. Ao contrário, deturpam-no.

O talento não pode ser concentrado em pílulas, mas consumido em largas doses. Seja em curtos contos, seja em longos romances.

Nenhum comentário:

Postar um comentário