terça-feira, 25 de setembro de 2012

Saudade

Eu sinto falta.

Sinto falta do jeito dele de pular no portão verde de metal quando me ouvia chegando e de como me irritava o seu choro lânguido e comprido enquanto eu andava pelo corredor até ve-lo.

Sinto falta dos seus pelos amarelados e ruços, eriçados, ressecados e das suas orelhas caídas e seu jeito de Banzé covarde e sem graça.

Sinto falta das suas costelas aparecendo mesmo com ele comendo feito uma draga, uma praga que só comia carne de primeira (o resto ficava tudo no pratinho, quando não era espalhado pela área da frente de casa!).

Sinto falta de como ele se embrenhava na sala e enfiava a cabeça por baixo da minha mão em busca de um pouco de carinho e atenção.

Sinto falta de pega-lo mijando na parede de casa, sempre no mesmo lugar, a esquininha do quintal, e ralhar com ele, e ele vir na minha direção com aquela cara de pidão, rabo entre as pernas, cabeça baixa, olhos tristes, pedindo desculpas, mas sem prometer que nunca mais faria, pois no dia seguinte estaria lá, no mesmo local, fazendo a mesma coisa.

Sinto falta de soltar a corrente da coleira e ve-lo, em desabalada carreira, atravessando ruas como um torpedo. Mais de uma vez pensei que fosse perde-lo para um carro, ou, pior, um cão maior. Baixinho encrenqueiro que era, não levava desaforo para casa...

Sinto falta do seu jeito carinhoso, do seu olhar atencioso, das suas lambidas calorosas, da sua falta de tato, esbaforido que é.

Sinto falta do meu cachorro pulguento, sujo e xexelento. Sinto falta do meu Totó, e não tem cachorro no mundo que consiga substitui-lo.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Amor e ódio




"Como a gente pode amar e odiar uma mesma pessoa?", pergunta-me uma amiga. Uma pergunta que surge de um lugar que nem imagino, mas busco a resposta em mim e na minha própria vida.

O ódio é uma faceta oculta do amor. Não queremos admitir jamais que o sentimos, pois falar sobre isso é dizer que somos seres humanos inferiores. No lindo mundo da imaginação do Facebook, onde todos são cores do arco-ir
is e a felicidade até que existe, onde todos amam cachorrinhos e postam fotos com suas famílias felizes e escondem os problemas de seus relacionamentos atrás de instantâneos de sorrisos que, na verdade, nada mais são do que hipocrisia, o ódio não tem lugar. Abrimos mão de demonstrar nossa humanidade em troca de ser aceitos por todos à nossa volta.

Mas nós odiamos. E odiamos muito. Especialmente quando somos feridos pelas pessoas.

E as feridas que nos afligem são sempre surpresas. Somos feridos por aqueles que amamos, aqueles de quem esperamos carinho, amor, afeto, atenção, amizade, respeito, aqueles que nos despertam admiração, orgulho, aqueles que nos trazem felicidade. Aqueles de quem não esperamos nada, quando algo ruim vem, não nos surpreendem. Ferem, mas a gente se levanta e segue.

O ódio vem do amor que sentíamos por alguém que nos fere. Sentimos que depositamos nossos sentimentos em algo que não vale a pena. É como colocar dinheiro em um banco e este banco nos passar a perna, deixando-nos com uma baita dívida ao invés dos dividendos.

Muitas vezes a gente espera das pessoas que cercam a gente um pouco mais do que elas podem nos oferecer. Esperamos que elas sejam conosco o mesmo que somos com elas, e este é o erro. Se amar é um sentimento incondicional, como podemos pensar em exigir de volta o mesmo amor que oferecemos?

Não existe amor perfeito. Se pensássemos que o amor é uma pessoa, ela teria que atender a todas as expectativas de todas as pessoas de todas as formas mais diferentes e imagináveis, e não é assim que acontece. Às vezes a gente se decepciona.

E um dos motivos desta decepção é que depositamos nossas expectativas sobre os ombros de pessoas como nós. Pessoas imperfeitas. Pessoas que, sentem o amor à sua maneira, sob seu ponto de vista, levando em consideração seu próprio background. E muitas vezes, quando a gente ama, a gente prefere fingir que nada disso existe, e aí está um grande erro.

As decepções geram o ódio, que pode ser amainado se a gente permitir. Ódio é como fogo, só cresce se tiver oxigênio. Se você o apagar ele não volta a te incomodar. Não estou dizendo que isto é fácil, mas que este é o caminho, e, como diz um velho ditado, o remédio amargo é o que cura.

Amar e odiar a mesma pessoa só acontece porque a gente espera muito dos outros graças às expectativas que o mundo joga sobre nossas próprias costas. A ansiedade é a doença do século XXI. Queremos tudo rápido, e não é assim que as coisas funcionam no mundo real. A vida real é diferente, e os sentimentos não são tão objetivos quanto os status de relacionamento do Facebook.

Odiar? Normal, apesar de não admitido. Prosseguir odiando? Aí só depende de você.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Decepções

E quando você carrega para casa os problemas alheios e fica preocupado com as pessoas de quem você gosta, mesmo quando não sabe se estas pessoas se importam com você o tanto que você se importa com elas?

Eu não escondo o que eu sinto. Nunca. Sou um péssimo mentiroso, e isso é complicado. Sou indelicado às vezes, mas estou disposto a pagar este preço. Olho em volta e vejo hipocrisia. Não consigo fingir que isso me agrada. Vejo deslealdade, e isso me machuca e decepciona muito.

Nunca deixarei de acreditar no ser humano. O que pode ser compreendido como uma burrice absoluta para mim nada mais é que minha porção de fé na transformação. No entanto, minha fé em pessoas específicas... Essa não tem jeito.

Mas diz o ditado que amar a humanidade é fácil, difícil, é amar o próximo, não é? Então não dá para esperar nada diferente de mim. A única diferença é que eu não sou hipócrita de fingir que gosto de alguém só porque aquilo pode me trazer alguma vantagem ou benefício.

Outra coisa que não faço é tentar passar para trás qualquer pessoa que seja.

Ainda menos com pessoas que acreditaram em mim por algum motivo.

Por isso, quando vejo que estou sendo passado para trás por pessoas em quem depositei minha confiança, o que sinto é uma grandecíssima decepção. Mas não pela pessoa, e sim por mim mesmo.

Mas decepções são positivas. Elas nos ensinam sobre o comportamento humano. Muitas vezes não queremos aprender, mas aprendemos, nem que seja na marra. A dor ensina mais que o prazer, e perder ensina mais do que vencer. Tirar das decepções a lição necessária para levantar e seguir em frente. Eis a condição humana. Vamos nos entristecer uns com os outros o tempo todo, e só vamos nos decepcionar com aquelas pessoas de quem esperávamos algo. Depositar a confiança no outro é um salto no escuro, ao mesmo tempo que um passo de fé.

Queria não me decepcionar, mas sou humano e meus julgamentos sobre as pessoas são baseados no fato de que eu sou imperfeito e posso ser enganado por perfis aparentemente bons, pessoas que se passam por amigos, mas que na realidade não o são.

Vou continuar acreditando. Não é isso que vai me fazer perder a fé no ser humano. Ademais, adoro aventuras. Saltos no escuro podem ser fascinantes. Você não sabe o que esperar do outro lado...

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Batuque paulicéia



Prova de Carinho, de Adoniran Barbosa e Hervê Cordovil, é um exemplo de que a história que Vinícius falava sobre São Paulo ser o túmulo do samba não está com nada. Primeiro que declarar a morte do samba é um exagero. Segundo, por que São Paulo produz um samba rico em criatividade, e, especialmente, com identidade local.

Em Adoniran isso pode ser sentido no vocabulário. Suas músicas cheias de maneirismo reproduzem o falar do paulista de sua região. A cidade de São Paulo com suas fábricas, seus trens e metrô, seu ritmo próprio se reflete em suas letras cotidianas, de realidade contundente. Desde a demolição de um cortiço antigo até a morte de uma moça na esquina mais amada da cidade (logo a São João...), é o respirar da metrópole, com sua voz mais aguda e profunda. É possível sentir o cheiro do molho de tomate no Samba do Arnesto, e mesmo o cheiro de fumaça na Saudosa Maloca. Isso para ficar em algumas das mais famosas composições do Bardo paulistano, que canta sua musa, sua cidade, com sua elegia à loucura, qual Juó Bananére e seu italianato brasileiro deliciosamente errado e, muitas vezes, incompreensível.

Fala da cidade, também, o maior batedor de latinha de graxa de todos os tempos (junto com Ciro Monteiro fariam uma dupla de percussionistas bastante inusitada, uma caixa de fósforos e uma lata de graxa), Germano Mathias. Diferente do samba de Adoniran, a música de Germano é, segundo ele mesmo, um "samba bibopado", com uma cadência própria e uma identidade perene. Seus breques e quebras de ritmo fazem de sua arte um achado de originalidade e criatividade que podem ser comparados ao samba criado por Dicró, Moreira da Silva e Bezerra da Silva. Um Kid Moringueira da Praça da Sé, com sua ginga de artista de rua e a elegância do verdadeiro malandro.

O que dizer, então, de Paulo Vanzolini, o oftalmologista que criou versos como "Um homem de moral não fica no chão, nem quer que mulher lhe venha dar a mão. Reconhece a queda, e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima"? A poesia seca de uma cidade que urge. Ao mesmo tempo, a cadência de "Amor de trapo e farrapo", que faz gosto de ouvir. Oftalmologista, viu na íris da cidade sua poesia mais fugidia, aquela que a própria cidade não identificava tão facilmente. Enxergou na cidade o doce que não se vê com facilidade, apenas com a ajuda de aparelhos.


E é do panteão dos deuses do samba que se invoca o nome dos demônios que melhor expressam cada um destes compositores. Com vozes estridentes e um jeito seu de interpretar cada uma das músicas destes compositores, os Demônios da Garoa, sacrílego grupo de sambistas (paulistas! Sacrilégio!) atacava com seus "Quais" (E não "quaix", como viria de um carioca) e sua sonoridade e elegância. Não como malandros, não com a pele negra, não com samba no pé, mas com samba na voz, nos instrumentos, nos ternos bem cortados, nos cabelos engomadinhos e nos sapatos bem lustrosos. Um samba "almofadinha", assumidamente apressado, indelevelmente paulista, rico, profundo e saboroso, qual sanduíche de mortadela do Mercado Municipal ou pastel de feira da Liberdade.

O mais intrigante da frase de Vinícius sobre o samba paulista é saber que seu maior parceiro, Toquinho, veio da terra da garoa. Mas eu tenho, de certa forma, que concordar com Vinícius... Se São Paulo é o túmulo do Samba isso só acontece porque o samba escolheu ser enterrado ali, onde pode ser sempre lembrado.








quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Encontrando a própria voz

Você tem que encontrar sua própria voz.

Foi o que ela disse enquanto me ouvia cantar uma música de Chico imitando a (horrível) voz dele. É algo que eu faço muito. Mimetizar a voz alheia ao invés de buscar a minha própria para cantar. É um pouco de falta de confiança misturado com um muito de preguiça.

Não é apenas nisso que o mimetismo surgia em mim. Lendo coisas antigas que eu mesmo havia escrito (era mesmo eu ou algum outro que me tomava o corpo e a consciência naquela época?) enxerguei o eco de tantos outros escritos de outros tão melhores que eu. Enxerguei em meus textos de inspiração as palavras de Max Lucado, e em meus contos um muito de Fernando Sabino. Minha poesia ecoava Vinícius, depois Leminski, depois Vinícius novamente. Enquanto escritor eu era um excelente prestidigitador da ideia alheia.

Quando enxerguei isso estava com o "Porto dos Mortos" pelo meio. Parei e fui rele-lo de cabo a rabo, encontrando ecos e ecos em tudo o que eu escrevia. Um trecho eu era Gabo, em outro, Bernard Cornwell, mais à frente, Manel Loureiro.

Ser inspirado por estes escritores é maravilhoso. Tentar conseguir expressar o mesmo espanto que Gabo consegue com o final de Cem anos de solidão é uma meta que escritores precisam buscar. O detalhismo de Cornwell é fantástico, sua fidelidade à história é surpreendente. Porém, não se trata apenas disso, e sim de mimetizar situações, passagens e ações que eles criaram em minha obra.

Mais que ser inspirado, é copia-los de forma indireta. Não pegar trechos deles e transpor para meus escritos, mas escrever como eles, como cada um deles em um trecho da história.

Primeiro que isso tira a unidade do texto. Toda a coesão vai para o espaço quando você começa a escrever como J. R. R. Tolkien e termina como Joyce. É um sinal de uma voz tão fraca que os ecos que reverberam dentro dela acabam soando mais altos que ela própria.

Em busca da minha voz comecei a canetar o texto inteiro. Encontrei Hemingway perdido entre as ruas de Santos e Verne sobrevoando de helicóptero um navio aportado. fui limpando isso tudo, transformando tudo em texto meu, fazendo valer minha própria voz. No começo eram gritos roucos, mas, aos poucos, consegui encontrar o tom e faze-la soar. Os ecos continuam lá, graças a Deus. Não poderia viver sem eles, mas consegui encontrar minha própria forma de contar as coisas.

Não percebemos quando mimetizamos o outro naquilo que fazemos. A experiência alheia nos serve como catapulta para nos levar além, nos fazer crescer, ou apenas serve de cama para deitarmos nossa preguiça? O fato é que aqueles que trilharam o caminho antes de nós têm experiências que podem nos ajudar a trilhar o caminho também, mas é com nossas pernas que precisamos vencer os desafios. É nossa voz que tem que se sobrepujar às vozes das experiências alheias em nossas vidas. Nossas experiências precisam ter importância também para nós.

Parei de imitar o Chico e descobri que minha voz é, modéstia à parte, mais bonita que a dele (mas isso não é esforço nenhum, já que, apesar de grande compositor, Chico é um intérprete menor), e vendo o que escrevo hoje encontro os ecos dos outros ainda reverberando entre as letras, no entanto, é a minha voz que se sobressai, e isto me deixa feliz, e identificado com aquilo que escrevo.











segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Grandes autores, grandes momentos


Poeira de estrelas

Supernova ocorrida há 130  milhões de anos e só vista
agora por nossos olhos. É como olhar para  o passado
e enxergar a própria história do universo acontecendo
ao nosso redor
Somos  todos poeira de estrelas. Acho que Carl Sagan disse isso, e eu tenho que concordar.

No horizonte do nascimento do Universo existe a explosão original, o Big Bang (Deus?) expandindo para todos os lados a matéria da qual seríamos feitos. Carbono, oxigênio, hidrogênio, tudo criado naquele momento inicial e trazido até nós, segundo a máxima de que nada se cria, tudo se transforma.

Temos mais de 140 bilhões de anos de existência. Temos no nascimento do universo nossa gênese absoluta. Somos a cria daquela poeira que espalhou-se pelos quatro cantos, expandindo-se, expandindo-se até criar o que chamamos de "vida" e que, nem de longe, é o mais fantástico acontecimento deste universo.

A vida não é nada mais que um processo químico, reações e mais reações à própria história da matéria. Uma reação tão sem importância que dura menos de um século, segundo nossa contagem.

Não temos a profundidade existencial de uma supernova, o ocaso de uma estrela, que, gigante, não suportando o próprio peso, despedaça-se em uma explosão de energia e matéria, levando consigo a galáxia à sua volta. A destruição de planetas, asteroides e (porque não?) vida é algo  muito mais fantástico do que a vida em si.

No entanto, de nada adianta um espetáculo como a morte de uma estrela sem que hajam olhos que possam aprecia-lo, e é aí que a vida faz diferença: dando sentido aos espetáculos do universo que, por mais  belos que sejam, tornam-se, após acontecerem, na mesma matéria da qual é feita a vida: poeira de estrelas.

É disso que se constitui a beleza da vida. De enxergar o espetáculo que acontece à nossa volta. Seremos transformados em poeira novamente, do pó ao pó, mas  levaremos conosco aquilo que vimos e que nos maravilhou.

A vida não tem nada de especial per se. Ela se faz especial quando nos tornamos interlocutores da existência alheia, e não alheios à existência do universo que nos cerca.