segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Batuque paulicéia



Prova de Carinho, de Adoniran Barbosa e Hervê Cordovil, é um exemplo de que a história que Vinícius falava sobre São Paulo ser o túmulo do samba não está com nada. Primeiro que declarar a morte do samba é um exagero. Segundo, por que São Paulo produz um samba rico em criatividade, e, especialmente, com identidade local.

Em Adoniran isso pode ser sentido no vocabulário. Suas músicas cheias de maneirismo reproduzem o falar do paulista de sua região. A cidade de São Paulo com suas fábricas, seus trens e metrô, seu ritmo próprio se reflete em suas letras cotidianas, de realidade contundente. Desde a demolição de um cortiço antigo até a morte de uma moça na esquina mais amada da cidade (logo a São João...), é o respirar da metrópole, com sua voz mais aguda e profunda. É possível sentir o cheiro do molho de tomate no Samba do Arnesto, e mesmo o cheiro de fumaça na Saudosa Maloca. Isso para ficar em algumas das mais famosas composições do Bardo paulistano, que canta sua musa, sua cidade, com sua elegia à loucura, qual Juó Bananére e seu italianato brasileiro deliciosamente errado e, muitas vezes, incompreensível.

Fala da cidade, também, o maior batedor de latinha de graxa de todos os tempos (junto com Ciro Monteiro fariam uma dupla de percussionistas bastante inusitada, uma caixa de fósforos e uma lata de graxa), Germano Mathias. Diferente do samba de Adoniran, a música de Germano é, segundo ele mesmo, um "samba bibopado", com uma cadência própria e uma identidade perene. Seus breques e quebras de ritmo fazem de sua arte um achado de originalidade e criatividade que podem ser comparados ao samba criado por Dicró, Moreira da Silva e Bezerra da Silva. Um Kid Moringueira da Praça da Sé, com sua ginga de artista de rua e a elegância do verdadeiro malandro.

O que dizer, então, de Paulo Vanzolini, o oftalmologista que criou versos como "Um homem de moral não fica no chão, nem quer que mulher lhe venha dar a mão. Reconhece a queda, e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima"? A poesia seca de uma cidade que urge. Ao mesmo tempo, a cadência de "Amor de trapo e farrapo", que faz gosto de ouvir. Oftalmologista, viu na íris da cidade sua poesia mais fugidia, aquela que a própria cidade não identificava tão facilmente. Enxergou na cidade o doce que não se vê com facilidade, apenas com a ajuda de aparelhos.


E é do panteão dos deuses do samba que se invoca o nome dos demônios que melhor expressam cada um destes compositores. Com vozes estridentes e um jeito seu de interpretar cada uma das músicas destes compositores, os Demônios da Garoa, sacrílego grupo de sambistas (paulistas! Sacrilégio!) atacava com seus "Quais" (E não "quaix", como viria de um carioca) e sua sonoridade e elegância. Não como malandros, não com a pele negra, não com samba no pé, mas com samba na voz, nos instrumentos, nos ternos bem cortados, nos cabelos engomadinhos e nos sapatos bem lustrosos. Um samba "almofadinha", assumidamente apressado, indelevelmente paulista, rico, profundo e saboroso, qual sanduíche de mortadela do Mercado Municipal ou pastel de feira da Liberdade.

O mais intrigante da frase de Vinícius sobre o samba paulista é saber que seu maior parceiro, Toquinho, veio da terra da garoa. Mas eu tenho, de certa forma, que concordar com Vinícius... Se São Paulo é o túmulo do Samba isso só acontece porque o samba escolheu ser enterrado ali, onde pode ser sempre lembrado.








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