A música de B.B. King que mais me marca é uma balada blues açucarada, bobinha que só.
Mas foi a música que me acompanhou durante muito tempo, me ajudando a criar, escrever. Eu não tinha dinheiro para comprar CDs, e em Itariri e Peruíbe não chegava muita coisa. Então, quando uma editora lançou uma coleção de jazz e blues eu peguei logo o primeiro encarte.
Lá estava um disco do Concerto Midem em que Pat Matheny, BB King e Dave Brubeck transformavam minhas dores em canção (a coleção era a Jazz Masters, obrigado, Google!). Não tinha muito mais coisa que chegava às minhas mãos. O que aparecia na TV, especialmente na TV Cultura, eu transformava em fitas K7 no meu aparelho de som. O Concerto Midem foi uma das coisas que compramos para ter mesmo.
O disco, de um virtuosismo inacreditável, tinha um momento de grande simplicidade. Guess Who. Uma declaração de amor de um homem que esperará a eternidade amando uma mulher, esperando por ela. Ele pede para que ela abra o coração.
Na época (e lá se vão quase vinte anos), eu não tinha internet, tinha um inglês pobre e não conseguia traduzir o sotaque do Rei. Não entendia a letra, mas entendia o sentimento e visualizava um casal apaixonado dançando a última música antes que o rapaz fosse enviado para a guerra, ou algo assim. Um clichê. Exatamente como a música.
Ela me acompanhou nas madrugadas em que passei sentado na mesa de vidro de casa, olhando para o papel branco e buscando dentro de mim o que queria colocar para fora. Guess Who me traz isso. A memória dos contos e dos poemas da minha adolescência. As histórias melancólicas dos amores perdidos e não vividos.
Li a letra hoje e achei bonita. Simples, clichê e bonita. Mas nada é comum quando se trata do Rei. Mesmo a melancolia ganha novos tons. Sem conhecer o significado da música dei a ela uma história. A tradução da letra não a mudará. Aquilo que guardo em mim, da época de primeiras palavras não permito que se esvaia jamais.
Música é audição e sentimento , não entendimento...
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