quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Encontrando a própria voz

Você tem que encontrar sua própria voz.

Foi o que ela disse enquanto me ouvia cantar uma música de Chico imitando a (horrível) voz dele. É algo que eu faço muito. Mimetizar a voz alheia ao invés de buscar a minha própria para cantar. É um pouco de falta de confiança misturado com um muito de preguiça.

Não é apenas nisso que o mimetismo surgia em mim. Lendo coisas antigas que eu mesmo havia escrito (era mesmo eu ou algum outro que me tomava o corpo e a consciência naquela época?) enxerguei o eco de tantos outros escritos de outros tão melhores que eu. Enxerguei em meus textos de inspiração as palavras de Max Lucado, e em meus contos um muito de Fernando Sabino. Minha poesia ecoava Vinícius, depois Leminski, depois Vinícius novamente. Enquanto escritor eu era um excelente prestidigitador da ideia alheia.

Quando enxerguei isso estava com o "Porto dos Mortos" pelo meio. Parei e fui rele-lo de cabo a rabo, encontrando ecos e ecos em tudo o que eu escrevia. Um trecho eu era Gabo, em outro, Bernard Cornwell, mais à frente, Manel Loureiro.

Ser inspirado por estes escritores é maravilhoso. Tentar conseguir expressar o mesmo espanto que Gabo consegue com o final de Cem anos de solidão é uma meta que escritores precisam buscar. O detalhismo de Cornwell é fantástico, sua fidelidade à história é surpreendente. Porém, não se trata apenas disso, e sim de mimetizar situações, passagens e ações que eles criaram em minha obra.

Mais que ser inspirado, é copia-los de forma indireta. Não pegar trechos deles e transpor para meus escritos, mas escrever como eles, como cada um deles em um trecho da história.

Primeiro que isso tira a unidade do texto. Toda a coesão vai para o espaço quando você começa a escrever como J. R. R. Tolkien e termina como Joyce. É um sinal de uma voz tão fraca que os ecos que reverberam dentro dela acabam soando mais altos que ela própria.

Em busca da minha voz comecei a canetar o texto inteiro. Encontrei Hemingway perdido entre as ruas de Santos e Verne sobrevoando de helicóptero um navio aportado. fui limpando isso tudo, transformando tudo em texto meu, fazendo valer minha própria voz. No começo eram gritos roucos, mas, aos poucos, consegui encontrar o tom e faze-la soar. Os ecos continuam lá, graças a Deus. Não poderia viver sem eles, mas consegui encontrar minha própria forma de contar as coisas.

Não percebemos quando mimetizamos o outro naquilo que fazemos. A experiência alheia nos serve como catapulta para nos levar além, nos fazer crescer, ou apenas serve de cama para deitarmos nossa preguiça? O fato é que aqueles que trilharam o caminho antes de nós têm experiências que podem nos ajudar a trilhar o caminho também, mas é com nossas pernas que precisamos vencer os desafios. É nossa voz que tem que se sobrepujar às vozes das experiências alheias em nossas vidas. Nossas experiências precisam ter importância também para nós.

Parei de imitar o Chico e descobri que minha voz é, modéstia à parte, mais bonita que a dele (mas isso não é esforço nenhum, já que, apesar de grande compositor, Chico é um intérprete menor), e vendo o que escrevo hoje encontro os ecos dos outros ainda reverberando entre as letras, no entanto, é a minha voz que se sobressai, e isto me deixa feliz, e identificado com aquilo que escrevo.











3 comentários:

  1. Pois é, meu amor. Aristóteles já dizia que o objetivo das artes é representar o significado interno das coisas. Cada trecho que leio em Porto dos Mortos vejo um pouco de você.
    Acho que apesar das (e graças às) influências literárias em seus textos, seu jeito de escrever é um tanto quanto peculiar e agradável.

    Tenho sorte de poder ler frequentemente seus "pensamentos", suas cartas, seus livros e postagens. Além de ouvi-lo cantar todos os dias, né?! :)

    Aproveite sua descoberta e explore cada vez mais o seu próprio "eu".

    Um beijo.
    Te amo.

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  2. É interessante essa sua observação. Qdo escrevo algo tenho exatamente a mesma impressão. Parece-me que não sou eu, mas uma outra pessoa que está escrevendo, como se eu o imitasse. É claro que sei que é preciso passar por esse processo até adquirir identidade própria. Sabe Deus até quando!!? Será que aquela máxima é verdadeira: Nada se cria, tudo se copia!

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    1. Julio, mesmo na imitação existe a criação. Penso que é do eco das vozes que recebemos que criamos a nossa voz, como se a união de vários fragmentos de sintonias diferentes acabassem entrando na mesma sintonia em nossas mentes e corações. Só precisamos tomar cuidado para não deixar os fragmentos falarem mais alto que o conjunto da obra. Nossa voz acaba sendo um mosaico das vozes alheias.

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