quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Por que eu amo São Paulo?


Não.
Não amo São Paulo por conta da mulher amada
Que se encontra infiltrada
Entre suas veias-ruas
As artérias que pulsam o sangue
Na grande cidade
Não me guiam para ela
Por conta disso

Amo são paulo por outras razões menos egoístas

Amo a saída da estação Masp-Trianon
Quando o céu cinzento vai diminuindo
Sendo arranhado pelos edifícios
Que o invadem, fálicos, penetrando em seu véu



Amo o piano mal tocado
Na Estação da Luz
E tudo na Luz, eu amo
Desde o trem para Riacho Grande
Até os arrebites nas pilastras de ferro
Até as prostitutas na porta da Luz
Trazendo sua escuridão latente
Eu posso amar de um amor dolente

Amo o paulistano médio
Aquele que corre
(Em São Paulo, Tarsila, o homem é um animal que corre)
Que não contempla
Que não absorve
E não se deixa absorver
Pelas sutilezas da cidade

São Paulo não dorme
E eu gosto de dormir embalado
Por seus braços insones
Abusadas buzinas que atravessam a noite
Tiros, choros, gozos, a noite de São Paulo é cheia de um ruído inimaginável

O cheiro de fuligem e esgoto da Marginal
Até os engarrafamentos fazem-me sentir em São Paulo
Os ônibus atrasados, os números confusos, as pessoas sem sorrir
Tudo isso faz com que me sinta parte dali

Eu amo São Paulo, afinal,
Por conta do vão livre do Masp
Como uma boca que sorri São Paulo ao longe,
O vão livre engole quem ali senta para fazer o que for
Poucos paulistanos o fazem
É um convite à contemplação
Eles não têm tempo para isso.


Amo São Paulo por não ter tempo para mim
E me receber mesmo assim
Com uma paixão de entrega
Como o fez com os imigrantes de todo o mundo
Espanhois, portugueses, chilenos
Alemães, japoneses, loiros, morenos
Sonhadores, todos, de uma São Paulo
Que não deixa de sonhar

São Paulo é uma mulher depravada
Que gosta de ser amada
E consumida de amor louco
São Paulo não se deixa sair de você
Há os que amam e os que odeiam
Há os Caetanos que a consideram
O avesso do avesso do avesso do avesso
Há favelas
Há mansões
Há paixões habitando nela

São Paulo, uma deusa vadia
Que se entrega por qualquer ninharia
Ao primeiro que a quiser amar
São Paulo precisa do amor
Daqueles que a veem de fora
Pois os de dentro,
Já absortos por sua falta de tempo,
Não conseguem olhar para ela
E lhe dar carinho e afeto
Como ela merece.

Amo São Paulo porque ela me ama
Com um amor de incentivo
Que atiça a libido de vencer
São Paulo ama os sonhadores

Mas quando estes se deixam amar por ela
Se entregam aos seus carinhos cinzentos
De pedra, cal, tijolo e cimento
Seu amor de asfalto, de esgoto
Seu amor de violência e dolo
Quando a veem como ela é
A deusa vadia, entregue, rendida
Deixam de sonhar
Então tornam-se apenas mais uns a habitar dentro dela
Dentro de seu peito, sendo embalados por seus braços insones
Deixados dos sonhos, abandonados à pressa
Na qual a própria São Paulo os engessa

São Paulo é uma amante egoísta
Que ama de um amor sem fim
Nem começo.

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