sexta-feira, 1 de julho de 2011

Eis o público paraibano!

Antes de mais nada, adoro a Paraíba e as pessoas daqui. Receptivos, simpáticas, alegres, os paraibanos sabem receber quem vem de São Paulo muito bem.

Dito isto, vamos aos fatos...

Ontem foi a terceira vez que fui ao Cine Banguê para uma apresentação de música lírica. Na primeira apresentação, Tchaikovski, pela Orquestra Sinfônica da Paraíba. Na segunda, a mesma OSPB apresentando jazz. Cole Porter, Ira Gershwin... inesquecível. Nesta terceira, a Orquestra de Câmara de João Pessoa se apresentou com o Coro Sonantis, da UFPB em uma belíssima homenagem ao maestro Radegundis Feitosa. Um Requiem escrito pelo maestro Eli-Eri Moura. Outro momento inesquecível. Palmas para Eli-Eri que escreveu uma obra inventiva, carregada de sentimento e vida, e palmas para a orquestra e para o coro que conseguiram transmitir este sentimento todo para o público.

Mas, infelizmente, não é sobre as apresentações que vou falar aqui. Vou falar sobre a minha decepção ao ver o simpático, receptivo e belo povo da Paraíba fazendo o que fez nas três apresentações.

Eu fico feliz quando vejo a arte lírica sendo levada ao público geral. Especialmente ao público que não a conhece. Isso é a orquestra pública cumprindo seu papel de levar a arte para os menos favorecidos, e quando falo menos favorecidos não falo sobre dinheiro, que sou pobre, mas gosto de coisas boas. Falo daqueles que não tiveram oportunidade de ter acesso a este tipo de arte durante toda a vida.

Pois algo comum ao povo paraibano é a intolerância com os atrasos das apresentações artísticas. No caso de um show em praça pública, como foi Gilberto Gil, por exemplo, até se compreende esta intolerância. A manifestação do público denota uma vontade grande de ver o artista diante de si. A falta de organização da produção acaba atrasando tudo, o artista tem nariz empinado e fica enrolando no camarim... O povo começar a bater palmas compassadas, é plenamente compreensível.

Mas isso não pode acontecer dentro de um teatro, antes de uma apresentação de música lírica. Isso é falta de respeito com o maestro, a orquestra e o coro, como se as pessoas estivessem com pressa de sair dali para voltar a seus afazeres.

Porém, ontem, antes da apresentação de "Requiem para um Trombone", ignorando o ambiente de respeito, o público começa a bater palmas e cantar em côro: "começa", "começa"!

Reclamei em alto e bom som.

_ Paraibanos são um público muito mal educado. Este tipo de coisa não acontece em uma apresentação da Sinfônica de Santos ou da Osesp. Músicos clássicos se atrasam porque estão se preparando, concentrados, não é arrogância ou impertinência.

A velhinha sentada do meu lado pegou ar, mas guardou para usar mais tarde, quando os músicos começaram a entrar e todo o povo aplaudiu. Menos eu, que estava lendo o programa.

_ Isso também acontece em São Paulo? Das pessoas serem mal educadas e não aplaudirem os músicos quando eles entram?

Olhei para a senhorinha que me olhava com uma cara muito feia e brava. Não consegui me conter.

_ Minha senhora, cuide da sua vida.

Queria ve-la indo assistir a uma apresentação da Osesp e aplaudindo sozinha a entrada dos músicos. Queria ve-la colocando uma câmera em um tripé bem no meio do corredor de cadeiras, fechando o caminho de quem queria sentar no resto da fileira. Queria ver se tinha gente que chegava atrasada e ainda podia entrar em uma apresentação em São Paulo. Entrou o Spalla (que aqui em João Pessoa, também se aplaude, estranhamente) as portas são fechadas e ninguém mais entra no concerto, ao contrário da Paraíba, que até pessoas entrando pela coxia e passando na frente do palco sem a menor cerimônia tem. Só faltou cumprimentar o maestro e pedir prá "tocar aquela"...

Já na apresentação de Jazz, era engraçado. Por mais que se trate de uma orquestra, jazz é jazz, tem espaço para a orquestração arranjada, os solos previstos e, especialmente, para a criação espontânea, o improviso. Nisso consiste a riqueza do ritmo que nasceu com os negros americanos. E isso se aplaude em cena aberta. Durante a apresentação, o público estava dividido entre pessoas que aplaudiam os solos excepcionais do saxofone baixo e os que ficavam fazendo "xiiiiiii", reclamando da explosão e da catarse do público. Minha vontade era de levantar e gritar.

_ Povo do "xiiii", isso é jazz! Então, aplaudam junto com a gente, que sabe o que é jazz, ok?

No fim, a lição que fica é que cada ambiente pede um tipo de manifestação do público, e o público paraibano não entende isso plenamente. Toda a formalidade fake auto-imposta durante uma apresentação clássica não funciona se ela não faz parte da sua vida. Sobra a leveza de admirar a arte em seu estado total, de acordo com a exigência do local, do repertório e dos artistas. Gostaria de não ouvir mais "Começa, começa" antes de uma apresentação no Cine Banguê. E, por favor, para estas mesmas pessoas, aplaudam quando ouvirem um solo de jazz!

Ah, e para a senhorinha, desculpe minha honestidade e minha objetividade, mas, vai cuidar da sua vida, ok?


Pois bem. Nada disso tirou o brilho da apresentação, tão tocante, profunda e bela quanto era possível que fosse. O comportamento do público paraibano me entristece, mas é fator cultural, assim como é fator cultural aplaudir cada movimento, e não a obra completa. Porém, paraibanos, por favor, não façam nada disso quando forem a São Paulo.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo post, João! Só hoje pude parar para lê-lo e aproveito para deixar minha opinião.

    Realmente, tem umas manifestações populares que a gente assiste e apenas lamenta. Entretanto, acho que há que se distinguir entusiasmo de falta de educação.

    Muitas vezes os gestos são inocentes e espontâneos, sem intenção alguma de causar constrangimento ou ofensa. Por exemplo, bater palmas para receber os músicos, ou a cada movimento da obra, ou ainda após um solo de sax é apenas uma forma de extravasar emoção, e até respeito pelos artistas, uma forma de reconhecimento.

    Afinal, se a pessoa não costuma assistir apresentações clássicas, possivelmente não saberá que o costume é aplaudir apenas no final.

    E essa aparente informalidade nos concertos clássicos de João Pessoa, com pessoas atrasadas, sentando no chão e filmando tem por objetivo conquistar justamente esse público que não foi acostumado a valorizar as diferentes manifestações culturais que o mundo nos oferece.

    Isso pode não acontecer no Teatro Municipal de São Paulo, mas acontece em outros lugares do mundo por diversas razões, inclusive falta de organização. Eu mesma já assisti um lindo concerto em Roma sentada no chão simplesmente porque não havia mais cadeiras disponíveis. E olhe que eu havia pago pelo ingresso!

    Então, nesses casos, não acho que tem a ver com localização geográfica, ou com o estilo de música apresentado. É mais uma questão cultural, de como aquela obra toca cada um e qual a reação que ela provoca. Uns choram, outros gritam Bravo, outros assobiam, mas o objetivo é sempre o mesmo: exaltar positivamente. E o artista entende isso.

    Ao mesmo tempo, acho que existem também manifestações universais de grosseria e falta de educação. Em qualquer lugar do mundo, pressionar o início de um show com palmas ou vaias, conversar insistentemente durante uma apresentação, falar alto ao celular ou ainda ficar se deslocando no meio do público são bons exemplos de comportamentos inaceitáveis e que são praticados largamente, inclusive, muitas vezes, por pessoas instruídas e abastadas.

    Novamente, isso acontece em qualquer lugar e, mesmo que o idioma atrapalhe, qualquer um pode compreender tais gestos como rudes e inaproriados, inclusive os artistas.

    Então, acho que a questão principal não é o público de João Pessoa, que está aprendendo a apreciar música clássica, nem a impecável organização nos concertos da OSESP, que realmente nos levam a um outro patamar, como já pude vivenciar.

    A reflexão deve ser feita sobre o respeito que temos (ou não) demonstrado aos artistas, esses sim soberanos e dignos de admiração e exaltação por produzirem tão belas obras de arte e nos inspirarem diariamente a ver beleza no mundo confuso e caótico em que vivemos. Esse respeito deve ser demonstrado em qualquer lugar do planeta, e por qualquer indivíduo.

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