segunda-feira, 16 de maio de 2011

Eu ainda tenho uma alma

Vou contar duas histórias.

Uma, eu pude escrever no jornal, a outra não.

A primeira, sobre um menino de seis anos que desapareceu na sexta-feira retrasada na cidade de Dona Inês, no interior do estado. Seu corpo foi encontrado na última quinta-feira.

A outra, um homem adulto que, em uma roda de amigos no bar, brinca de roleta russa com um revólver carregado e acaba morto.

As duas histórias têm finais trágicos, e começam de forma tôla. São duas mortes desnecessárias, duas situações tão absurdas que poderiam ter sido evitadas.

Ou não.

O menino desaparece na sexta-feira. Todas as provas e evidências CIRCUNSTANCIAIS apontam para um suspeito. A mídia cai em cima dele, contando que ele já havia sido acusado por outro assassinato. Ele teria matado, esquartejado e enterrado as partes de um homem em diversos lugares diferentes. A mídia o crucificou, dizendo, até, que a criança havia sido estuprada.

Localizado o corpo (inteiro, e não esquartejado), provou-se que ele não abusou sexualmente da criança.

No entanto, seu pai quase foi morto no centro da cidade, como se ele tivesse cometido o crime, como se fosse ele o culpado.

Toda a história me deu um travo na garganta. fiquei incomodado com a situação que se estabeleceu. Se o homem for culpado, ele deve pagar, de acordo com a justiça estabelecida pela lei, e não pela justiça dos homens.

O povo de Dona Inês não é dono da verdade. Se um dia for provado que aquele homem não matou a criança, então, como estará o coração do povo da cidade? Quais serão os sentimentos presentes ali?

Construí esta história dezenas de vezes na cabeça na semana passada. Na quinta-feira,  quando a criança foi encontrada, enterrada ao lado de uma escola, não me furtei de chorar um pouquinho. Afinal de contas, eu ainda tenho uma alma, um pouco de humanidade na qual me apegar.

Pensar naquela criança morta me embrulha o estômago. Mas pensar em um inocente sendo linchado pela opinião pública me deixa ainda mais desapontado com a humanidade.

A outra história é a de um homem que achava que não tinha mais nada pelo que viver

clic

Então, sentado em uma mesa de bar ao lado dos amigos, ele resolve externar o vazio que está sentindo

clic

Puxa um revólver calibre 38 do bolso, esvazia o tambor e segura uma bala nas mãos. a coloca no tambor, gira e recolhe a arma

clic

os amigos começam a ficar em pânico, mas não sabem o que fazer, afinal, ele tem uma arma na mão, e está desesperado.

clic

E o desespero é o melhor amigo do erro

BLAM!

um tiro vara o ouvido direito e a bala sai pelo lado da cabeça, abrindo um pequeno buraco e indo se alojar em uma viga de madeira no bar. o corpo cai sobre a mesa, gritos desesperados. Um silêncio sobre o corpo. Ainda há uma vaga.

clic.

Duas mortes desnecessárias que provaram para mim aquilo que eu queria... Eu ainda tenho alma.

Um comentário:

  1. Nesta história do menino e em outras com repercussão nacional ou não, sempre assistimos os até então suspeitos, sendo expostos em praça pública pela mídia e pela população. Essas cenas me lembram a era medieval, onde as pessoas eram queimadas, enforcadas e decaptadas aos olhos de todos com um certo prazer doentio. Aí vem a pergunta: A gente já evoluiu tanto de lá pra cá, mas será que ainda nos resta essa essência podre e vergonhosa? Prefiro pensar que é apenas ignorância... Ainda bem que ainda há "almados" para salvar esta raça que se diz humana e pensante...

    ResponderExcluir